terça-feira, 14 de dezembro de 2010

FOP – A Prisão de ossos

Imagine o quão ruim deve ser você passar o resto de seus dias encarcerado numa prisão, sendo privado de tudo o que você gosta de fazer: praticar esportes, dançar, namorar, viajar... É uma sensação claustrofóbica, ainda mais levando em conta que você divide um pequeno espaço com várias outras pessoas. Agora imagine o quão horrível deveria ser se essa prisão surgisse dentro de você e te prendesse internamente lhe privando de todos os seus movimentos. Difícil de imaginar? Pois é, mas essa sensação é real e surgiu na forma de uma doença raríssima conhecida como FOP – Fibrodisplasia Ossificante Progressiva. Essa enfermidade faz com que danos causados em ligamentos, tendões e músculos se transformem em ossos. E o que acontece se uma articulação ossifica? Ela fica paralisada permanentemente evitando que o indivíduo se movimente. Mesmo se essa ossificação for removida é inútil, pois a área da remoção da ossificação voltar a ossificar num processo semelhante à cicatrização. Com a progressão da doença, o indivíduo passa a ter um segundo esqueleto por cima daquele que ele já possui. Em alguns casos a doença pode ser erroneamente diagnosticada como câncer, fazendo com que exames, como a biopsia, contribuam para a evolução da ossificação pelo corpo do paciente.


Esqueleto de Harry Eastlack (Fonte: wgate)

O caso mais impressionante de FOP pertence ao americano Harry Raymond Eastlack. Ele nasceu em 1933, na Filadélfia, Pensilvânia, EUA e, aos 5 anos de idade, teve uma fratura na perna esquerda, quando brincava com sua irmã, e essa fratura trouxe algumas complicações, pois o local onde houve a lesão se tornou rígido, como se tivesse criado por dentro da pele uma placa. Aos poucos essa rigidez foi se espalhando pela coxa e pelos quadris, era o processo de ossificação progredindo pelo corpo do menino. Isso se tornou mais intenso entre os 10 e 20 anos de idade, quando suas vértebras começaram a se fundir. Aos 30 anos Harry já tinha boa parte do corpo paralisado, ficando impossibilitado de exercer várias atividades comuns do cotidiano. Em 1973, ele morreu de pneumonia, seis dias antes do seu aniversário de 40 anos. Nessa época Harry já tinha todo o corpo completamente ossificado, inclusive sua mandíbula, que também não se movimentava mais, deixando-o capaz de mover apenas os lábios. Antes de morrer ele permitiu que seu esqueleto fosse preservado para pesquisas científicas e atualmente está exposto no Museu Mütter, na Faculdade de Medicina da Filadélfia. Seu esqueleto se tornou um dos poucos preservados e se tornou um importante material para o estudo da doença.


Harry Eastlack e seu esqueleto (Fonte: wgate2)

A FOP não é caracterizada por antecedentes da doença na família, logo sua causa é atribuída a uma mutação esporádica. É uma enfermidade incapacitante em crianças e adultos jovens e o sinal mais comum da FOP pode ser identificado ainda no nascimento quando há má formação dos dedões dos pés, apesar dos médicos não entenderem a relação de uma coisa com a outra. Outro sintoma que surge até os 20 anos de idade, mais ou menos, é um grande inchaço que se forma geralmente na região do pescoço e/ou costas e cresce rapidamente. A região fica avermelhada, dolorida e quente, e, à primeira vista, pode ser confundido com um tumor, entretanto, com o tempo, esse inchaço diminui, a dor some, e no lugar do inchaço se forma uma placa óssea. Esses inchaços são conhecidos como ‘surtos’ e ocorrem durante toda a vida do indivíduo. Dessa forma, qualquer tipo de lesão por mais ínfima que seja, pode causar um surto, portanto, os movimentos do corpo do indivíduo podem ser perigosamente afetados, pois basta uma manifestação de um surto para que a região onde ele ocorreu fique paralisada por uma formação óssea. Uma simples batida numa articulação pode paralisar para sempre todo o membro, pois mesmo que a placa óssea seja removida, outra irá surgir no local, ou seja, não tem cura para a FOP.

Esqueleto tomado pela FOP e sinal de má formação nos dedões como indícios da FOP (Fonte: howstuffworks)


Em algumas pessoas a doença progride lentamente, enquanto em outras ela é rápida, logo é imprevisível determinar como ela vai se desenvolver em um certo indivíduo. A ocorrência dos surtos varia de pessoa pra pessoa, ou seja, enquanto uns demoram meses ou até mesmo anos para desenvolver um surto, outros possuem surtos freqüentemente criando novas formações ósseas pelo corpo, sendo que, não necessariamente é preciso que haja uma lesão para que ossos se formem em determinado músculo. Até onde se sabe não existe um tratamento adequado para FOP, já que qualquer intervenção cirúrgica é suficiente para o surgimento de novos surtos, até mesmo uma vacina no músculo ocasiona surtos na região. A remoção da ossificação resulta numa nova ossificação, porém mais densa que a anterior. É uma verdadeira prisão se formando no interior do acometido pelo problema.


Coluna calcificada (Fonte: howstuffworks)

Como existem poucos relatos de pessoas com FOP, é difícil conduzir um estudo para a criação de um remédio eficaz para bloquear o receptor hiperativo que causa a formação dos ossos. Alguns corticosteróides e antiogênicos, segundo relatos, tem apresentado alguma utilidade no processo de inibição dos surtos. O ideal é que o portador de FOP tenha condições de ter um bom plano de saúde, acompanhamento de um profissional da saúde e de modificar sua casa para evitar acidentes e facilitar a locomoção daqueles que utilizam cadeiras de rodas, devido ao processo de paralisação do corpo.


Criança com indicativo de surto nas costas (Fonte: wgate)

Com a evolução da ciência os estudos da FOP estão evoluindo cada vez mais e a chave para o segredo do processo de formação básica dos ossos está perto de ser encontrada. Com essa chave será possível que muitas pessoas que sofrem desse mal sejam libertadas de sua prisão interior.

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