quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O legado de Hamurabi



Hamurabi diante do deus Shamash (Fonte: seguindopassoshistoria)

Hamurabi foi o sexto rei da dinastia babilônica e tornou-se o primeiro rei do império babilônico após a conquista da Suméria e da Acádia, no período de 1792 a 1750 a.C.. Ficou famoso por ter concebido o mais antigo código de leis escritas, conhecido como Código de Hamurabi, consolidando assim uma legislação pré-existente na época. O código foi transcrito numa estela (monumento talhado em rocha de diorito) em três alfabetos diferentes e tinha como objetivo regular a vida cotidiana dos cidadãos da região. A sociedade era dividida em três categorias:

Awilum: homens livres, independente de ser pobre ou rico;
Muskênum: funcionários públicos;
Escravos: prisioneiros de guerra.


O código de Hamurabi (Fonte: jusfacto)

Nesse contexto os principais pontos abordados por essa legislação era a lei de talião (olho por olho, dente por dente), falso testemunho, roubo / receptação, estupro, família e escravos. A punição ou a pena diferia de acordo com a classe social do indivíduo e antes que alguém pudesse alegar ignorância da lei ela estava lá exposta livremente a todos, apesar da maioria das pessoas não saberem sequer ler, com exceção dos escribas.
           As punições eram demasiadamente severas e dentro do princípio de talião funcionavam mais ou menos como um castigo-espelho, ou seja, toma lá, dá cá. Observemos alguns artigos:

21. Se alguém arrombar uma casa, ele deverá ser condenado à morte na frente do local do arrombamento e ser enterrado.

25. Se acontecer um incêndio numa casa, e alguns daqueles que vierem acudir para apagar o fogo esticarem o olho para a propriedade do dono da casa e tomarem a propriedade deste, esta(s) pessoa(s) deve(m) ser atirada(s) ao mesmo fogo que queima a casa.

108. Se uma dona de taverna não aceitar grãos de acordo com o peso bruto em pagamento por bebida, mas aceitar dinheiro, e o preço da bebida for menor do que o dos grãos, ela deverá ser condenada e atirada na água.

129. Se a esposa de alguém for surpreendida em flagrante com outro homem, ambos devem ser amarrados e jogados dentro d'água, mas o marido pode perdoar a sua esposa, assim como o rei perdoa a seus escravos.

132. Se o "dedo for apontado" para a esposa de um homem por causa de outro homem, e ela não for pega dormindo com o outro homem, ela deve pular no rio por seu marido.

195. Se um filho bater em seu pai, ele terá suas mãos cortadas.

196. Se um homem arrancar o olho de outro homem, o olho do primeiro deverá ser arrancado

200. Se um homem quebrar o dente de um seu igual, o dente deste homem também deverá ser quebrado

229 Se um construtor construir uma casa para outrem, e não a fizer bem feita, e se a casa cair e matar seu dono, então o construtor deverá ser condenado à morte.

230. Se morrer o filho do dono da casa, o filho do construtor deverá ser condenado à morte.


(Fonte: karinamerlo)

Como podemos notar, muitos desses artigos legislativos nos soam um tanto quanto ultrapassados, exagerados e intolerantes. Hamurabi mantinha uma postura bastante rígida para controlar a sociedade e se pararmos para pensar, essa fórmula de justiça que nos parece cruel e bárbara e se assemelha mais a uma vingança do que a uma necessidade de se punir com justiça, pode ser entendida com a máxima de que ela também é baseada numa relação de equilíbrio entre o crime e a punição. Mas na prática, no decorrer da história, o princípio de talião perdeu parte do seu foco principal que era o de dar ao crime a sua punição na intensidade correta, para assim, ser considerada uma pena justa. O que vimos na verdade foi a execução de penas grotescas declaradas sempre pela necessidade de punir em nome de um bem aparentemente maior. Além da questão do equilíbrio, expresso no próprio significado do termo talião (do latim, talio, significando ‘tal’ ou ‘igual’), ter sido deturpado, o propósito da justiça e da injustiça foi substituído pelo propósito do bem e do mal, dando lugar ao julgamento subjetivo, ao invés do julgamento imparcial.


Iraniana comemorou a condenação de seu algoz pela lei de talião (Fonte: ceboanova)

A lei de talião (escrita mesmo em minúscula por não se tratar de nome próprio) permanece presente ainda hoje em quase todas as sociedades, mesmo que de forma indireta: se um estuprador for preso, provavelmente será estuprado na prisão; se um bandido mata alguém sem a autorização do líder de sua facção, muito provavelmente será morto também. Além disso, a máxima ‘olho por olho, dente por dente’ também aparece claramente em alguns códigos penais como o do Irã. Um exemplo disso foi uma notícia divulgada no G1 há um dia atrás, onde um homem iraniano foi condenado a perder um olho e uma orelha por ter jogado ácido sulfúrico no rosto de outro sujeito, queimando sua orelha. O réu identificado apenas como Hamid, justificou no tribunal que teria feito tal atentado por ter confundido a vítima com um ex-colega de classe que o incomodava na época do colégio. A matéria ainda relatava que acontecimentos como este estavam acontecendo com bastante freqüência nos últimos anos. Em novembro deste ano, um sujeito conhecido como Mojtaba foi condenado a perder os olhos por ter cegado o marido de sua amante com ácido na cidade sagrada de Qom e, em fevereiro do ano passado Majid Movahedi também foi condenado à cegueira por ter jogado ácido no rosto de uma colega de faculdade em 1994, depois que ela rejeitou-se a casar com ele. Quando ela ficou sabendo do resultado da condenação comemorou: “Ele será anestesiado e não sofrerá dores. Não vou desfiguar o rosto, porque bastam algumas gotas, e nem terá lesões internas, como eu tive. Ele deve pagar. Olho por olho, dente por dente, essa é a lei de talião”.



(Fonte: direito-vivo)

O código de Hamurabi, apesar de parecer um tanto quanto inumano em sua essência, serviu de inspiração para muitos códigos legislativos que vieram futuramente e influenciou de alguma forma a própria teoria de direito. A gente pode concluir que a problemática de sua aplicação não está necessariamente na sua essência, e sim na forma como determinaram que ela seria aplicada. O desvirtuamento do objetivo final faz parecer que a lei de talião seja coisa de trogloditas, contudo jamais isso poderia ser considerado uma verdade absoluta, nem do ponto de vista mais humano.

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