sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O ritual macabro de Toraja

Funeral (Foto: betzyapoderosa)
Quando perdemos um ente querido, além de nos causar muito pesar, sentimos a obrigação de lhe prestar uma última homenagem, uma despedida digna desse plano para um outro. Essa homenagem vem em forma de uma cerimônia religiosa que conhecemos como funeral, onde se reúnem parentes e conhecidos para fazerem discursos de despedida, rezarem ou orarem (dependendo da religião) e darem um último adeus. Porém, em algumas culturas, esse ritual é bem mais complexo e envolve muitas simbologias e crenças que não compreendemos direito o propósito. Existe um lugar onde a maneira de prestar homenagem ao morto é provocando várias outras mortes (de animais no caso)! Será que existem limites para o que nos parece incompreensível ou o problema está em nossa percepção diante dos fatos?


Tana Toraja (Foto: adventures-travel-tales-and-tips)

Tana Toraja é uma pequena região localizada na parte central de Sulawesi, na Indonésia, a maior ilha do arquipélago. É conhecida por seus rituais funerários excêntricos e suas casas típicas com telhados em forma de chifres. Apesar de serem convertidos ao cristianismo, eles ainda mantêm fortes raízes da religião animista. Esta, por sua vez se fundamenta no cosmocentro, no antropocentro e no teocentro e tem como regra os seguintes preceitos: tudo no Cosmo tem ânima; todo o ânima é transferível; e tudo que transfere ânima não perde a totalidade de seu ânima, mas quem ou quê o recebe perde parte ou a totalidade de seu ânima, o qual será tomado pelo ânima doador.
Os moradores locais acreditam que quando um ente querido morre, este é levado ao céu para ser julgado pelos atos cometidos, logo, o resultado desse julgamento é mensurado de acordo com o seu comportamento em vida. Outro fator primordial seria a quantidade de espíritos de animais que levam o espírito do falecido até o céu. E como seria possível a alma viajar para outro plano com uma porção de almas de animais? Simples: através de muuitos sacrifícios de animais!


Funeral em Toraja (Foto: e-farsas)

Essa é uma das principais características dos fúnebres funerais de Toraja. Diferente de outras regiões do mundo onde o funeral se resume ao sepultamento do morto diante de entes queridos, lá em Toraja os funerais só podem ser realizados depois que a família do falecido arrecadar muitos recursos para bancar toda a cerimônia. Para se ter uma idéia, é necessário construir uma vila completa para abrigar uma multidão de convidados durante o período de uma semana, após isso a vila é desmanchada. Além disso, a família precisará desembolsar muito dinheiro com animais para serem sacrificados (e não são poucos). Um búfalo de água, que é o animal mais comumente sacrificado em tal ritual, por ser também o mais valioso e ser comum de encontrar nas planícies da região, custa cerca de 40 milhões de rúpias (pouco mais de 3.000 dólares) e um porco 3 milhões de rúpias (aproximadamente 250 dólares). Não é raro num único evento desse serem sacrificados mais de 50 porcos, além de diversos búfalos. Por essa razão, muitas famílias mantêm em suas propriedades o corpo do ente querido mumificado, enquanto obtêm dinheiro suficiente para bancar toda a cerimônia (um processo que pode durar mais de 5 anos, dependendo da situação dos envolvidos).


Porcos prontos para o abate (Foto: basilico)

Búfalos sacrificados (Fotos: basilico)

O primeiro dia do funeral começa com o abate dos búfalos. Quanto maior for a importância do falecido, maior é a quantidade de búfalos a serem sacrificados. No dia seguinte, os convidados chegam, geralmente, trazendo os porcos para o sacrifício. Por fim, no último dia acontece, de fato, o funeral do defunto. Enquanto convidados se amontoam em cabanas de bambu, onde lhes são servidos chás e biscoitos, eles presenciam com bastante naturalidade búfalos e outros animais serem esfolados vivos e o sangue se espalhando pelo chão, com direito a crianças brincando inocentemente com o sangue e os restos de órgãos de animais mortos! Logo após isso, eles podem ir para outra cabana onde é possível presenciar os porcos serem sacrificados com uma punhalada no coração, estremecendo de dor até desmaiarem, e, em seguida, terem seus órgãos retirados diante da multidão curiosa.


Cabeças de búfalos expostas para os convidados do funeral (Foto: adventures-travel-tales-and-tips)

Depois do funeral, partes das carnes dos animais sacrificados são oferecidas aos convidados que podem levar para a casa para consumir posteriormente e caso essa distribuição não ocorra, a família pode ser mal vista pelos demais moradores da região. Assim, a conclusão do funeral se dá em outro dia, com caixão do falecido sendo levado para uma igreja para outro ritual, esse de natureza católica, pois como tinha sido dito no início deste artigo, eles são cristãos. Nessa parte do evento é muito comum os convidados tirarem fotos, pois seria um sinal de que o falecido ainda faria parte da comunidade. Subsequentemente o caixão segue em procissão até o local do enterro, ao som de gargalhadas e aplausos, para espantar os maus espíritos e, chegando no local, um grupo de atrizes se deitam sobre o caixão chorando, para incentivar a alegria a se tornar tristeza (umas chegam até a simular um desmaio), trazendo de volta o tom sério do ritual para um último adeus. Em seguida, o caixão é colocado numa sepultura cheia de outras caixões devido à falta de espaço, dando-se por encerrada toda a cerimônia de despedida do ente querido falecido. E há de se lembrar ainda que existem outras formas de sepultamento que variam de acordo com a classe social do indivíduo.


Procissão dos convidados até o local de sepultamento do falecido (Foto: adventures-travel-tales-and-tips)
A gente pode notar através desse evento que nos parece asqueroso como as nossas concepções variam de cultura para cultura. A morte, por exemplo, chega até nós como uma punhalada no coração, algo que nos choca e nos traz sentimentos negativos como tristeza e depressão. Confesso que fico extremamente perturbado em presenciar mortes de animais, pois me causam um incômodo muito grande que não sei explicar. Quando constato que em culturas como as de Toraja as pessoas crescem no meio de uma carnificina animal que celebram a morte de um indivíduo em meio a muita dança, festa e euforia, fico pensando se o erro está em julgar o que nos parece diferente, como acontece em diversas outras manifestações de preconceito. Se a gente nasce e cresce no meio de tais costumes, é inegável que aquilo para nós será completamente normal e aceitável. Então, por mais bizarro que pareça alguns costumes de outros povos, temos que lembrar que para eles fazemos coisas que são tão bizarras quanto sacrificar animais em um funeral.

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