quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O Mandilion Sagrado de Edessa - Uma história de Jesus que a Bíblia não contou

Nos tempos de Jesus existia uma cidade cosmopolita conhecida como Edessa, onde se desenvolveram algumas comunidades cristãs. Ela se localizava no norte da Mesopotâmia, num lugar onde atualmente se situa a Urfa, no Sudeste da Anatólia, Turquia. Uma certa vez, o rei Abgar V, de Edessa, tinha ouvido falar num certo Jesus Cristo que era conhecido por seus milagres e resolveu escrever uma carta a ele pedindo que o visitasse para curar-lhe da lepra. Em resposta, Jesus teria dito que não poderia se encontrar com o rei, mas que brevemente mandaria um discípulo em seu lugar. E foi o que aconteceu, um de seus discípulos,  Judas Tadeu (Addai), teria levado palavras de Jesus até o rei enfermo e o curado milagrosamente. O primeiro relato dessa história se deu no início do século IV, por Eusébio de Cesaréia e assim começava uma história de Jesus que não foi relatada na bíblia.


O encontro de Judas Tadeu com o rei Abgar V (Fonte: flickr)

Em 384 d.C. uma escritora chamada Egeria, originária provavelmente da Galécia, uma província romana nas ribeiras mais afastadas do oceano ocidental, tinha como principal característica a quantidade de viagens que fazia por toda a Europa e Oriente Médio durante suas peregrinações em busca de novas experiências que ela costumava relatar em seus livros. Em uma dessas viagens, em especial, Egeria foi parar em Edessa, onde conheceu o bispo local que lhe ofereceu fantásticos relatos a respeito do livramento de  Edessa das mãos dos persas. Além disso o bispo teria dado a honra da escritora ser a primeira a analisar as transcrições das correspondências trocadas por Abgar e Jesus. Egeria foi levada até um portão onde um mensageiro conhecido como Ananias (que foi responsável pela entrega da carta de Abgar a Jesus) a esperava com as cartas que o bispo havia comentado e, assim, durante três dias a escritora estudou as transcrições e, também,  a cultura da cidade e das redondezas antes de partir novamente em peregrinação. O resultado disso pôde ser confirmado em parte dos relatos que ela fez de suas viagens, que foram enviados por carta ao seu convento e sobreviveram com o tempo.


Uma pesquisa com dados e ilustração de Egeria (Fonte: disseminary)

Logo mais tarde, no ano 400 d.C., a história do contato de Jesus com o rei Abgar V ressurgiu num manuscrito sírio denominado Doutrina de Addai, que adiciona nessa história um pintor que o rei Abgar V teria enviado até Jesus para que fosse pintado um retrato do messias. Este retrato teria sido então levado até o rei que o recebeu com muita alegria, o guardando em um de seus palácios reais.


Uma pintura de Edessa sendo encontrada em 544 d.C. (Fonte: shroudodofturin4jornalists)

No início do século VI, um documento posterior denominado “Atos do Santo Apóstolo Tadeu” sugeriu que, na verdade, a imagem de Jesus não teria sido concebida por um pintor enviado por Abgar e sim pelo próprio Jesus Cristo ao enxugar o rosto numa toalha, no momento em que surgia diante dele o emissário do rei de Edessa. Jesus teria então entregado a toalha onde estava impressa a sua ‘imagem sagrada’ e dito a Ananias que não poderia visitar o rei no momento pois precisava terminar sua missão, em virtude da Páscoa, e mandaria um de seus apóstolos para Edessa posteriormente . Judas Tadeu foi então o escolhido para pregar o evangelho aos pagãos daquela região e ficou responsável de entregar ao rei de Edessa a toalha com a face de Jesus impressa. Ao receber a toalha das mãos de Tadeu, Abgar ficou curado da lepra e decidiu guardar a imagem de Jesus em um local de destaque no palácio.


Santa Face de São Silvestre. Provavelmente uma cópia do Mandilion original (Fonte: semfronteirasparaosagrado)

Uma representação do Mandilion de 1.100 d.C., de Novgorod (Fonte: ateliersantacruz)

Essa imagem de Jesus ficou conhecida pela igreja ortodoxa como Mandilion Sagrado e foi e ainda é usado como a principal fonte de inspiração para toda a iconografia da sagrada face de Jesus, tanto no Oriente como no Ocidente cristão. Existem muitas pesquisas sérias em relação ao Mandilion Sagrado, como os amplos trabalhos de pesquisa feitos em 1970 pelo especialista em assuntos do Vaticano, Corrado Pallenberg. Em um de seus relatórios consta a descoberta de uma biblioteca do início da era cristã, durante escavações no sul da Turquia, feitas por arqueólogos ingleses e franceses. Nessa biblioteca foram encontrados, entre outros textos, fragmentos da carta do escrivão Labubna, relatando as viagens de Ananias, secretário do rei Abgar V, que reinou do ano 13 ao 50 d.C. em Edessa.
O tal documento descoberto dizia o seguinte:

“Abgar, toparca da cidade de Edessa, a Jesus Cristo, o excelente médico que surgiu em Jerusalém, salve!
Ouvi falar de ti e das curas que realizas sem remédios. Contam efetivamente que fazes os cegos ver, os coxos andar, que purificas os leprosos, expulsas os demônios e os espíritos imundos, curas os oprimidos por longas doenças e ressuscitas os mortos. Tendo ouvido falar de ti tudo isso, veio-me a convicção de duas coisas: ou que és Filho daquele Deus que realiza estas coisas, ou que és o próprio Deus. Por isso escrevi-te pedindo que venhas a mim e me cures da doença que me aflige e venhas morar junto a mim. Com efeito, ouvi dizer que os judeus murmuram contra ti e te querem fazer mal. Minha cidade é muito pequena, é verdade, mas honrada e bastará aos dois para nela vivermos em paz.” (GHARIB, Os Ícones de Cristo, p.43)


Mandilion junto a uma lanterna fazendo alusão à época em que foi emparedado (Fonte: christthesaviour)

No início do século XX descobriram que a milagrosa imagem de Jesus teria sido deslocada para a Igreja de São Bartolomeu dos Armênios, em Gênova, Itália, e toda a documentação relativa ao Mandilion Sagrado se encontra atualmente na Biblioteca Nacional de Paris, no Museu Britânico de Londres e nos Arquivos Imperiais de São Petersburgo. Mas até a imagem de Jesus ser guardada definitivamente na igreja de Gênova ela teria passado ainda por diversos locais diferentes, em virtude de invasões de povos estrangeiros na cidade de Edessa, que teriam acontecido numa fase posterior à história de Jesus e Abgar.
Inicialmente, o rei de Edessa ordenou que o Mandilion fosse colocado em um nicho da Porta Principal da cidade de Edessa, onde havia anteriormente uma estátua pagã. Dessa forma, a imagem de Jesus poderia ser vista e venerada por todos.
Em 57 d.C. um dos sucessores de Abgar, seu neto Ma’nu, reverteu novamente a cidade para o paganismo e o bispo da cidade decidiu emparedar o Mandilion junto com uma lanterna brilhante por trás de um azulejo, para protegê-lo. Um bom tempo depois, durante uma invasão persa, o atual bispo de Edessa, Evlávio, teria tido uma revelação e mandou quebrarem a parede. Lá encontrou o Mandilion e uma réplica impressa numa cerâmica, além da lanterna que diziam ainda brilhar diante do tecido.
No período de 775 a 780 d.C. explodiu a luta iconoclasta, sob o governo de Leão IV, onde o império Bizâncio reivindicava a restauração do culto das imagens, que na época estavam sendo perseguidas e destruídas pelos militares islâmicos que consideravam os ícones proibidos e contra  a sua religião. Nessa época a imagem sagrada de Edessa voltou à pauta na questão dos ícones santos graças a uma referência feita a ela pelo papa Gregório II.


Abgar e a imagem de Edessa (Fonte: crc-internet)

Em  944 d.C. o imperador de Bizâncio recebeu o Mandilion do Emir de Edessa.
Em seguida, em 956 d.C., a relíquia recebeu uma moldura em ouro e permaneceu em Constantinopla até o ano de 1362 d.C., graças aos eventos que sucederam após o término da luta iconoclasta, onde a Igreja Bizantina passou a procurar todas as imagens de Cristo, principalmente as achiropitas, restando somente a edessana, que ficou na cidade depois de várias cerimônias para sua entronização na Igreja Santa Maria Mãe de Deus, anexa ao palácio imperial.
Mais ou menos nesta mesma época o genovês Leonardo Montaudo, após uma batalha contra os turcos, conseguiu reconquistar antigas possessões genovesas e salvar ilhas gregas, as quais devolveu ao imperador João V de Bizâncio. Em gratidão, Leonardo recebeu a imagem de Edessa e outras relíquias das mãos do imperador. Quando Leonardo se torna duque de Gênova, faz a doação da Santa Imagem à Igreja de São Bartolomeu dos Armênios.
Em 1507, a imagem é roubada por um mercenário francês e é levada à Paris e oferecida ao rei Luís XII. Com esse fato, depois de uma grande rebelião popular, o senado genovês consegue a devolução da obra.
Ainda em 1940 a 1945, durante a Segunda Guerra Mundial, a imagem edessana correu perigo devido a um bombardeio ao convento onde se encontrava abrigada na época.
Todas esses relatos puderam ser comprovados após análises feitas nos pigmentos do Mandilion utilizando o carbono 14. Tal análise apontou pigmentos dessas diferentes épocas, onde a relíquia era retocada ou restaurada.
No fim das contas, o Mandilion Sagrado de Edessa surge como a resposta para a grande maioria das representações de Cristo, representado ora imberbe, apolíneo, adolescente, das catacumbas e sarcófagos do princípio da era cristã em Roma (Emanuel), ora com os cabelos longos, barbado e adulto no Oriente (Pantocrátor, por exemplo), levando em conta que em algumas épocas não havia a preocupação com a representação realista do Senhor, já em outras era uma característica obrigatória nas representações de Jesus.

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