quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O Fogo de Santelmo na Literatura de Viagens – Parte I

O Fogo de Santelmo é um fenômeno meteorológico que ocorre geralmente em ocasiões de forte trovoada e que se caracteriza por pequenas descargas elétricas (projeções e irradiações luminosas de cor azul-violeta) nas pontas metálicas dos mastros dos navios, em torres metálicas ou nas partes salientes dos aviões, devido à concentração do campo elétrico atmosférico nas ditas zonas. É muitas vezes acompanhado de um zumbido ou estampido. A designação de Fogo deve-se ao fato de o mastro parecer arder. Como se trata de um fenômeno que surge com mais frequência no fim das tempestades, foi-lhe atribuído o nome do Santo protetor dos navegadores Santo Elmo, pois os marinheiros associavam o aparecimento desta "chama" à melhoria das condições meteorológicas.
(Fonte: nahusifero)

A primeira referência literária escrita à luminosidade hoje conhecida como fogo de santelmo é, possivelmente, a que aparece nos Hinos Homéricos, uma coletânea de poemas no estilo de Homero escrita por vários autores desconhecidos. Referem-se aí os gêmeos mitológicos Castor, o domador de cavalos, e o inocente Pólux, filhos de Zeus e filhos gloriosos da Leda do belo andar. Por ocasião das tempestades, diz-se que os marinheiros apelam a esses filhos do grande Zeus, consagrando cordeiros brancos e deslocando-se para a proa; o vento forte e as vagas do mar mantêm o navio sob a água, até que, subitamente, os dois são avistados no ar, rápidos e com asas douradas. Imediatamente suavizam as rajadas dos ventos cruéis e acalmam as ondas sobre o branco mar: São belos sinais e um salvamento.

Castor e Pólux (Fonte: meridianodepoesia)
Para os gregos, a luminosidade nas pontas dos mastros que se via em momentos tempestuosos podia ser sinal de mau augúrio, quando a luz tinha uma ponta apenas, caso em que associavam o fenômeno a Helena, a irmã de Castor e Pólux. Mas essa luminosidade era um sinal de bom augúrio quando tinha duas pontas, caso em que a associavam aos dois gêmeos mitológicos. Segundo a lenda, estes tinham poder sobre as forças tempestuosas e eram pois considerados protetores dos marinheiros.


(Fonte: minilua)

Aristóteles, nos “Metauros”, descreve o mesmo fenômeno e Plínio, o Velho (c. 29–79 d.C.), e grande enciclopedista romano, refere-se-lhe demoradamente na sua “História Natural”, confirmando que, se for um, anuncia uma tempestade severa, mas se forem dois, e isso quando a tempestade se tiver desenvolvido, é um bom sinal.
Nos Comentários de Júlio César, descreve-se o fenômeno observado em terra: “No mês de Fevereiro, cerca do segundo turno da noite, levantou-se subitamente uma nuvem escura a que se seguiu uma chuvada de granizo, e na mesma noite as pontas das lanças da V Legião pareceram incendiar-se”.
Sant'Elmo socorrendo náufragos (Fonte: instituto-camoes)

Séculos mais tarde, já na era cristã, os navegadores do Mediterrâneo viam neste lume misterioso o sinal da intervenção do “Corpo Santo” através de Santo Erasmo, um bispo italiano assassinado em 303 d.C., também conhecido por Santo Elmo ou Sant’Elmo.
Nos tempos das Descobertas, os marinheiros portugueses e espanhóis, tomariam como protetor outro santo da Igreja Católica, um frade dominicano do século XIII de nome Pero Gonçalves. Com os anos, as lendas fundiram-se, e o nome “Telmo” foi-lhe justaposto. Nos fins do século XVI falava-se em Pero Gonçalves Telmo como se sempre tivesse sido esse o seu nome.


(Fonte: paulohenriquei)

A literatura portuguesa abunda de referências ao santo e ao fenômeno luminoso. Começando pelos relatos de viagem, vale a pena destacar o que escreveu D. João de Castro, o grande intelectual viajante do século XVI, no Roteiro de Lisboa a Goa de 1538.
Tornando a 2ª vez à Índia, que foi no ano de 1545, esta mesma noite nos apareceu a aparência ou sinal a que os marinheiros chamam Corpo Santo, per duas vezes, e duraria espaço de meia hora. Primeiramente o vimos na ponta do mastaréu da gávea, e depois no lais da verga, e depois na ponta do mastro da mesma e depois na enxárcia. Esta aparência a que chamam Corpo Santo era uma claridade tamanha como a que costuma fazer uma candeia ou vela, mas a sua luz não era vermelha como fogo, mas prateada à semelhança do que se vê na Lua; e, quando dava algum relâmpago, não aparecia esse sinal. Porém, como passava o esplendor do relâmpago, tornava a aparecer. Quando nos apareceu este sinal, chuviscava, e o céu estava escuro e cerrado, e foi cousa muito patente e sem nenhum engano de vista, e parecia mistério e segredo da natureza. A este tempo estávamos norte sul com o Rio do Infante, e em altura de 34º.
Na próxima parte do artigo serão citados mais relatos de aparições do fogo de santelmo na literatura de viagens.

(Texto de Nuno Crato com adaptações)

O Fogo de Santelmo na Literatura de Viagens – Parte II - Relatos do fenômeno

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